todos os eus e mais alguns - parte I
foi anteontem. à noite. passava de uma da manhã. estava saindo do festival de cinema, lembrei que não tinha tomado meu remédio para pressão. sim, tenho pressão alta. com trinta anos, mas essa é outra estória. entrei na única farmácia aberta a essa hora.
pedi meu remédio, zonzo de sono. o vendedor mal me atendeu, jogando o meu precioso remedinho por sobre o balcão. estava imerso numa profunda - e, ao que parecia, seríssima - discussão com outro cliente, os dois com ares severos, encarando uma folha de papel. dei de ombros, fui pagar o remédio. feito, voltei às atenções pros dois, ainda sérios diante do intrincado documento. curioso, não resisti e perguntei, de onde estava, o que acontecia. "a receita, moço, a gente não entende nada do que está aqui."
por dois segundos, pensei, ora, que mal há nisso, e, sim, isso mesmo: pedi pra ver a receita.
os dois correram mais que prestativos ao meu alcance. o balconista/farmacêutico me passou o papel, já se desculpando, nunca tinha visto caligrafia assim, não dava pra entender nada. como isso podia, que desdém com o paciente, pois.
eram dois remédios. a letra era realmente horrível, simplesmente impossível de se decifrar. mas, num momento de inspiração divina, entendi o primeiro garrancho. aquilo ali não era um ele, era um tê. aquele esse não era um esse, era a letra a. pois, no meio da noite, de madrugada, em uma farmácia esquecida do mundo, proferi a mágica palavra: "azitromicina". olhei pro rosto dos dois, com o ar mais profissional que pude encontrar. o dono da receita olhou para o vendedor, que rapidamente correu para as prateleiras procurar o remédio.
não se dera por satisfeito, meu colega de compras noturnas. virou-se pra mim ansioso e perguntou pelo outro nome. eu, já sentindo os seis anos de faculdade e mais dois de residência exalando pela pele, resolvi arriscar ainda mais e perguntei: mas, afinal, para que o remédio? para minha namorada, disse ele. é coisa de mulher, entende. baixou a voz, mas sem constrangimentos, continuou. uma infecçãozinha. na vagina.
céus, por que não uma dor de garganta. pressão alta. enxaqueca. não, tinha que ser uma vaginite. olhei de novo a receita médica, com a palavra vagina ecoando na cabeça. não poderia decepcioná-los agora. não agora. mas aquele rabisco não me parecia estranho. e então veio a segunda revelação. estufei o peito de declamei: "cetoconazol. oral".
o vendedor, que já vinha voltando com o primeiro remédio, deu meia volta para as prateleiras, em busca do segundo remédio, feliz, satisfeito pelo dever finalmente cumprido.
já ia saindo da farmácia, o rapaz veio e agradeceu. perguntou minha especialidade, e o endereço do consultório. "não clinico", respondi. mas agradeci o interesse mesmo assim.
no caminho do carro, pensei quanto um ginecologista deve ganhar. mais que jornalista, meu caro, mais. e um cirurgião?, e tentei calcular alguma quantia, afogando-me em zeros e mais zeros de cifras irreais. e, afinal, pensei, cirurgias também não devem ser assim tão difícil. quem sabe numa noite dessas. quem sabe.
a propósito: descobri o nome dos dois remédios pois, por um milagre dos céus, já havia tomado os dois. azitromicina é um antibiótico usado para infecções respiratórias - tinha tido bronquite umas semanas antes. e cetoconazol é um remédio usado pra queda de cabelo. não sei se a namorada do rapaz se curou dos problemas, mas caspa e tosse ela certamente não tem mais.
pedi meu remédio, zonzo de sono. o vendedor mal me atendeu, jogando o meu precioso remedinho por sobre o balcão. estava imerso numa profunda - e, ao que parecia, seríssima - discussão com outro cliente, os dois com ares severos, encarando uma folha de papel. dei de ombros, fui pagar o remédio. feito, voltei às atenções pros dois, ainda sérios diante do intrincado documento. curioso, não resisti e perguntei, de onde estava, o que acontecia. "a receita, moço, a gente não entende nada do que está aqui."
por dois segundos, pensei, ora, que mal há nisso, e, sim, isso mesmo: pedi pra ver a receita.
os dois correram mais que prestativos ao meu alcance. o balconista/farmacêutico me passou o papel, já se desculpando, nunca tinha visto caligrafia assim, não dava pra entender nada. como isso podia, que desdém com o paciente, pois.
eram dois remédios. a letra era realmente horrível, simplesmente impossível de se decifrar. mas, num momento de inspiração divina, entendi o primeiro garrancho. aquilo ali não era um ele, era um tê. aquele esse não era um esse, era a letra a. pois, no meio da noite, de madrugada, em uma farmácia esquecida do mundo, proferi a mágica palavra: "azitromicina". olhei pro rosto dos dois, com o ar mais profissional que pude encontrar. o dono da receita olhou para o vendedor, que rapidamente correu para as prateleiras procurar o remédio.
não se dera por satisfeito, meu colega de compras noturnas. virou-se pra mim ansioso e perguntou pelo outro nome. eu, já sentindo os seis anos de faculdade e mais dois de residência exalando pela pele, resolvi arriscar ainda mais e perguntei: mas, afinal, para que o remédio? para minha namorada, disse ele. é coisa de mulher, entende. baixou a voz, mas sem constrangimentos, continuou. uma infecçãozinha. na vagina.
céus, por que não uma dor de garganta. pressão alta. enxaqueca. não, tinha que ser uma vaginite. olhei de novo a receita médica, com a palavra vagina ecoando na cabeça. não poderia decepcioná-los agora. não agora. mas aquele rabisco não me parecia estranho. e então veio a segunda revelação. estufei o peito de declamei: "cetoconazol. oral".
o vendedor, que já vinha voltando com o primeiro remédio, deu meia volta para as prateleiras, em busca do segundo remédio, feliz, satisfeito pelo dever finalmente cumprido.
já ia saindo da farmácia, o rapaz veio e agradeceu. perguntou minha especialidade, e o endereço do consultório. "não clinico", respondi. mas agradeci o interesse mesmo assim.
no caminho do carro, pensei quanto um ginecologista deve ganhar. mais que jornalista, meu caro, mais. e um cirurgião?, e tentei calcular alguma quantia, afogando-me em zeros e mais zeros de cifras irreais. e, afinal, pensei, cirurgias também não devem ser assim tão difícil. quem sabe numa noite dessas. quem sabe.
a propósito: descobri o nome dos dois remédios pois, por um milagre dos céus, já havia tomado os dois. azitromicina é um antibiótico usado para infecções respiratórias - tinha tido bronquite umas semanas antes. e cetoconazol é um remédio usado pra queda de cabelo. não sei se a namorada do rapaz se curou dos problemas, mas caspa e tosse ela certamente não tem mais.
Marcadores: contadas
5 Comments:
E como você não entenderia o remédio para vagina, profundo conhecedor da alma feminina que é?
Cetaconazol previne queda de cabelos? Ou é bom só pra caspa?
segundo estudos médicos avançadíssimos, os folículos capilares, quando obstruídos pela seborréia, perdem força e, dessa forma, acentua-se a queda de cabelo. a seborréia também é uma das responsáveis pela caspa. logo, o cetoconazol atua nos dois campos. ou não. :-)
gustavo, vc é um ótimo, dá vontade de conhecer vc!
É porque a seborréia é causada por um fungo tb.... cetoconazol pra tratar fungo e azitromicina pra tratar batequérias. 8D
Postar um comentário
<< Home