sábado, março 11, 2006

trezentos e sessenta dias de quaresma

fotos por arthur omar
precisei chegar aos trinta anos para descobrir que adoro o carnaval. em meio à algazarra de pierrôs, baianas, ziriguiduns, telecotecos e que tais, me vi cantando, pulando, dançando. verdade. me descobri folião.
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nunca tinha pulado carnaval até então, não com tanto afinco. e descobri isso, deve-se pular com afinco, com vontade. só assim pude embarcar na alegria desesperada desses dias. só assim entendi a felicidade de estar imerso num mar de duzentos mil pulantes ao redor da bandinha do cordão do bola preta, na avenida rio branco. como diria caetano, foi lindo, lindo. divino e maravilhoso. por quê? porque todos estavam lá com um único objetivo. cantar marchinhas. dançar. pular. sorrir. compartilhar o momento. nem uma cara feia. velhos, jovens, crianças, bebês de colo sendo erguidos e abençoados por momo, baco, dionísio, pela luma de oliveira – que, juro, do alto do carro onde estava, me mandou um beijo. nada de tristeza, raiva, sofrimento. uma dedicação irrestrita à alegria.
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perdi a carteira, o celular? relevo. me encharcaram de cerveja? agradeço. pisaram no meu pé? não leve a mal, é carnaval. troquei sorrisos cúmplices com desconhecidos ao cantarmos as mesmas letras de velhas marchinhas. abri cirandas e rodas no meio da multidão com zorros, piratas e colombinas. dei abraços afetuosos em foliões anônimos que me reconheciam de outros dias e outros blocos. compartilhei água com sedentos. dividi meios-fios com melindrosas e arlequins exaustos - por apenas um segundo, até alguém puxar uma letra, batucar uma lata de cerveja, e sairmos dançando novamente pelas ruas.
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dedicar-se a cantar. alalaô. aurora. mulata bossanova. maria candelária. dedicar-se a dançar. samba. frevo. maxixe. dedicar-se a brincar. guerra de serpentina. guerra de espuma. pulos, caretas, gritos, uivos. beber quando se tem sede. descansar quando as pernas não mais agüentam. sorrir para a fantasia inusitada de torre eiffel, de mergulhador, de abraham lincoln. agradecer os sorrisos à sua fantasia. como me disse um folião, que dançava trôpego pelas ruas da lapa, sozinho, às quatro da manhã, depois de ter pulado dia e noite incessantemente, “carnaval é isso: é pegar ou largar”.
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a sabedoria bêbada do folião desvendou o mistério de tanta alegria. dedicação. dançar, pular, com vontade. beber, com vontade. como dizia jorge ben no início de uma música (acho que os alquimistas), tem que dançar dançando. sábio jorge. vontade de dançar? dance. vontade de descansar? descanse. vontade de dormir? durma. obedecer a vontade. como diz sponville, há prazer, há alegria, quando desejamos o que não falta. por isso no carnaval respira-se alegria. desejamos o que temos. folia. música. algaravia.

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então, depois do bloco do bip, do bola preta, do barbas, do empolga às nove, do charanga 3d, do cordão do boitatá, do volta alice, do céu na terra, do quizomba, veio a terça feira gorda. e a madrugada da quarta. e o grito dos foliões passou a ser “é hoje só, amanhã não tem mais!”. e a alegria descompromissada começou a se misturar a uma agonia, a uma ansiedade. amanhã não tem mais. adeus alegria, adeus vontade. todo carnaval tem seu fim. o que pode ser mais angustiante do que saber que a alegria tem data e hora para acabar?
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goethe disse que não há nada mais difícil de suportar do que uma sucessão ininterrupta de três lindos dias. porque, depois deles, não há muito o que se esperar. se goethe tivesse pulado carnaval, teria arredondado a conta para cinco. cinco dias de alegria e êxtase. como suportar a monotonia da vida depois do carnaval? como evitar a melancolia da quarta feira de cinzas?
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a angústia da quarta me lembrou outra. a angústia de viver. o que é mais angustiante do que viver? saber que a morte nos ronda, que podemos ser sacados, de repente, desse imenso baile? sofrer com o que nos falta: amor, dinheiro, paz? temer os tropeços da vida, e sofrer por antecipação por eles? curiosamente, essa angústia maiúscula teima em não nos abandonar. diferente da do carnaval, não tem hora. todo dia é uma quarta-feira de cinzas em potencial. por que?
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recorro ao filósofo folião da lapa. é pegar ou largar. afinal, quem vive a vida com tal afinco, qual um eterno carnaval? quem consegue viver o agora com tanta vontade? viver desesperadamente? comprovei nos dias de folia que a felicidade está no presente. no agora. prazer de se comer quando se tem fome. de desejar brincar, e se ver brincando. de dançar, dançando, diria são jorge. viver a vida, de fato. fácil falar, difícil fazer. e, mesmo que conseguíssemos, por que a alegria não é a mesma? onde estaria aquele êxtase coletivo? seríamos o bloco do eu sozinho. o mundo estaria mais preocupado com suas velhas angústias, decepções e esperanças, deixando o agora de lado. e olharia de soslaio para nós, loucos desesperados, que desejam apenas seguir atrás do trio.
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o jeito é agüentar esses trezentos e sessenta dias de quaresma. afinal, assim como sabemos que todo carnaval acaba, sobra a certeza reconfortante de que ano que vem tem mais.

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13 Comments:

Blogger Gustavo Weber said...

salve glauce maria, apóstola carnavalesca, evangelizadora incansável de futuros pulantes

4:27 PM  
Blogger Gustavo Weber said...

salve xande, turco otomano, filho de gandhi, o rei do ziriguidum

4:28 PM  
Blogger Gustavo Weber said...

e salve salve paulo roberto pires, filho de momo, balaústre do carnaval carioca, quintessência da folia de rua, patrono eterno do bloco dos k-broxas

4:28 PM  
Anonymous Anônimo said...

Carnaval e Goethe no mesmo post. Essa é boa. Gostei.

12:46 AM  
Anonymous Anônimo said...

Gustavo,
"Ha' prazer, ha' alegria, quando desejamos o que nao falta". Que voce seja eternamente alegre...

10:58 AM  
Anonymous Anônimo said...

Que bom que você está de volta, senti saudades.
nws

11:54 AM  
Anonymous Anônimo said...

Quem é de Sambar

Beth Carvalho

Composição: Sombrinha / Marquinho PQD

Quem é de sambar vem agora, vem agora, vem agora
Pra dizer no pé não tem hora, não demora, não demora
Quem samba procura o prazer de viver
Desfaz essa mágoa que só faz sofrer
Meu samba tá pronto pra te receber

Quem é de sambar vem agora, vem agora, vem agora
Pra dizer no pé não tem hora, não demora, não demora
Quem samba procura o prazer de viver
Desfaz essa mágoa que só faz sofrer
Meu samba tá pronto pra te receber

Meu samba é puro
Não deixa em apuro quem quer encontrar solução
É a receita de Deus
É uma religião
Que faz o fraco se fortalecer
E o indeciso por os pés no chão
Se é mal de amor não deixa doer
É o remédio pro coração

Ah, meu samba não pede passagem
Nem leva bagagem de mão
Em qualquer canto ele está
Porque é dele esse chão
Com sua força de contagiar
Vai cativando quem não quer chegar
Mas sei que tem gente no fundo querendo sambar
No samba não tem corda bamba
E a nossa caçamba tem corda de não rebentar

É, mas sei que tem gente no fundo querendo sambar
O samba é a arte mais pura
É a nossa mistura, cultura que é bem popular

É, mas sei que tem gente no fundo querendo sambar
Mas samba merece respeito
E não dá direito a quem só quer discriminar

É, mas sei que tem gente no fundo querendo sambar

É, mas sei que tem gente no fundo querendo sambar

9:20 PM  
Anonymous Anônimo said...

e viva o zé pereira.

9:21 PM  
Anonymous Anônimo said...

ôba! Se prepara que ano que vem tem mais!
Estou de volta também...
um beijo,
Ju

9:46 AM  
Anonymous Anônimo said...

salve o grêmio carnavalesco dos amigos da maria!!!

11:15 AM  
Anonymous Anônimo said...

"todo dia é uma quarta-feira de cinzas em potencial."
adorei o texto - e olha que eu nem curto carnaval!
Bjs, Ana.
www.olhosdagua.zip.net

2:50 PM  
Anonymous Anônimo said...

uahuahuahuahuahuahuahuahuahuahuahua

2:57 AM  
Anonymous Anônimo said...

Também passei por esses momentos que só no Rio a gente encontra.

6:13 PM  

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