quinta-feira, janeiro 26, 2006

impressões impressionantes - peter e wendy


semana passada li que peter pan, o livro de j. m. barrie, terá uma continuação. fiquei chocado. como assim, continuação? mas a notícia me lembrou de como suas estórias povoavam minha mente. quando pequeno queria ser peter e voar pelos céus a procura de aventuras. certo, não tão pequeno assim - na verdade, até semana passada. saudoso da estória, procurei o livro na internet e o encontrei, graças ao projeto gutenberg.
é um livro triste, que mostra como nos adequamos às exigências do mundo, e, com o tempo, deixamos de lado a alegria. para barrie, precisamos escolher: ou vivemos, ou nos divertimos.
o início do livro mostra que a menina wendy, personagem principal da estória, já aceitou seu trágico futuro. crescer, estudar, casar, cuidar dos filhos. mas, quando dorme, ainda sonha com aventuras e brincadeiras. habitando esse mundo onírico, vive peter pan. peter aparece na vida de wendy para mostrá-la o que ela estará abdicando se aceitar seu papel passivamente. ele a leva para a terra do nunca, e lá vivem inúmeras aventuras.
o convite de pan é sedutor. afinal, toda criança desconfia do futuro que seus pais lhe reservam. o futuro dos adultos. por quê? porque os adultos não sabem se divertir. senão vejamos.
vamos a escola, obrigados por nossos pais, porque é bom, segundo o juízo deles. mas principalmente para nos preparamos para o colegial. no colegial, nos preparamos para a faculdade. na faculdade, nos preparamos para o mundo. chegando ao mundo, conseguindo um trabalho, começamos uma carreira. nos esforçamos para subir na carreira, atingir novos postos. chegamos ao topo da carreira. mas com um sentimento de que fomos enganados. porque nunca nos ensinaram nada além de procurar algo acima.
durante esse processo, aprendemos que a vida é dividida entre trabalho e diversão. trabalho é o que é tão chato e abominável que você tem que ser pago para fazer. o objetivo disso é ganhar dinheiro. e, assim, comprar o seu divertimento. mas, na maioria das vezes, dinheiro não basta. pois prazer depende não de riqueza, mas de criatividade, vontade, dedicação. barcos, por exemplo. comprar um barco não traz necessariamente prazer. pois aproveitar um barco requer disciplina: aprender a velejar. toco violão. me divirto com isso, mas precisei de anos para aprender a tocá-lo. por isso a vida adulta parece, para a criança, um embuste. não existe um prêmio ao final daquele processo de galgar etapas e juntar dinheiro. por isso a promessa de diversão eterna de peter é tão tentadora.
voltando a peter. ele leva wendy para a terra do nunca por um motivo importante. contar estórias. por que pan precisaria tanto de alguém para contar estórias? pan não tem memória. peter não lembra sequer das aventuras que ele mesmo viveu. o livro deixa claro em diversas passagens, e talvez a mais dura seja quando ele mata um pirata e wendy, triste com a morte, pergunta como pan agüentaria esse fardo. ele responde, eu me esqueço. eu não lembro quantos já matei. simplesmente esqueço.
pan não tem passado. da mesma forma, não tem futuro. vive o presente, eternamente, como uma grande aventura inconseqüente. sua vida não muda, são sempre as mesmas batalhas com piratas, as mesmas diversões com sereias e fadas. como lamentar a morte de um inimigo, ou chorar a morte de um amigo, sem memória? e como cuidar? como amar? por isso pan pede que wendy vá a terra do nunca. além de ser sua memória viva, ela cuidaria e amaria a todos.
wendy se apaixona por pan. ele não sabe o que isso significa. não existem outros na vida de pan - como existiriam, como lembrar deles? por isso a palavra que mais surge ao longo do livro, ao descrever pan, é cocky. convencido. não por ser mau ou egoísta, mas porque simplesmente os outros não são necessários, e nem mesmo possíveis, em sua vida.
barrie não escolheu seu nome por acaso. pã é o deus dos bosques, divertia-se caçando e tocando flauta para as fadas. seu nome vem do radical grego pan, que significa tudo. pã era o símbolo do universo e a personificação da natureza. mas a natureza não se lembra. não tem memória. a natureza não ama, não é humilde ou justa, nem fiel ou sincera.
peter é como a natureza, e, como ela, não conhece o tempo. não morre, nem vive. por isso o menino pan não envelhece. não é verdade que ele não queira crescer nem possa crescer, ele simplesmente não cresce. numa cena comovente do livro, pan, achando que seu fim está próximo, declara: que imensa e terrível aventura seria morrer. no fundo, é um lamento. um lamento do menino-deus que não sabia morrer.
wendy percebe que aquela não-vida na terra do nunca não a satisfará. lembra dos pais. tem saudades daqueles que a amam. peter não a ama. como ficar? para ela, diversão apenas não basta. wendy volta ao mundo real.
as adaptações costumam omitir o final do livro. nele, wendy cresce, casa, tem uma filha. ao longo de sua vida, esquece como voar. pan a visita e fica horrorizado com sua velhice, e lamenta o fato de ter esquecido como se voa. por outro lado, wendy se choca ao descobrir que pan não lembrava de nada do que passaram juntos.
a única lição que pan pode ensinar a wendy é aprender a voar. a única lição que wendy pode ensinar a pan é aprender a lembrar. nenhum dos dois tem sucesso. por isso o livro é tão triste, por isso há um pessimismo em Barrie ao afirmar que não podemos viver e nos divertir. precisamos escolher.
pode parecer piegas, mas não acho que precisamos fazer essa escolha. porque não somos pan, e nossa diversão e nossas alegrias jamais serão inconseqüentes. porque não somos deuses, e, felizmente, lembramos. e, por isso, podemos amar – talvez a maior alegria de todas. basta que não percamos aquela vontade infantil de aproveitar cada segundo, de agarrar o mundo e fazer dele nossa terra do nunca. com vontade e talvez um pouco de criatividade e dedicação.
não quero mais ser pan. quero lembrar e amar. bom, ainda quero voar. quem sabe.

13 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Você nunca vai crescer,Gustavo. Pra nossa alegria.

2:47 PM  
Anonymous Anônimo said...

Nunca imaginei que Peter Pan pudesse ser um personagem tão trágico.
Gostei do texto. Parabéns.

6:46 PM  
Anonymous Anônimo said...

Que terrível essa visão! Essa escolha entre a vida e a alegria. Verei o desenho da Disney com outros olhos.

8:15 PM  
Blogger Gustavo Weber said...

sim, caríssimos, o livro é mais doloroso do que as adaptações pintam.
agora, uma curiosidade.
o nome inteiro de wendy é "wendy moira angela darling". barrie sabia mesmo brincar com seus personagens. reparem:
as moiras gregas eram três irmãs chamadas cloto, laquesis e atropos, que determinavam os destinos humanos, especialmente a duração da vida de uma pessoa e seu quinhão de atribulações e sofrimentos. ou seja, a palavra moira está ligada a idéia de vida, de humanidade, de sofrimento e destino.
já angela é mais explícito, não? anjo, aqueles seres imortais que apenas assistem ao cotidiano dos homens. wim wenders mostrou bem a incapacidade desses seres de viver e sentir como os homens, em "asas do desejo". para amar, o anjo deve cair e se tornar mortal.
barrie entrega no nome de wendy a dualidade com a qual trabalha ao longo de todo o livro. infelizmente, wendy opta por seu lado moira, seu triste destino - como se a humanidade fosse sinonimo de sofrimento - em vez de tentar equilibrar os dois.
abraços
:-)

8:27 PM  
Blogger Gustavo Weber said...

ah, sim, por favor, não esqueçam de se identificar nos posts. como disse anteriormente, podem assinar no final do comentário, sem problema. podem usar também apelidos, pseudonimos e que tais, mas assinem, por favor. assim os demais leitores - e eu também - ficam sabendo se foi uma ou mais de uma pessoa que postou os comentários.
abraço

8:31 PM  
Anonymous Anônimo said...

ah, sim, por favor, não esqueçam de se identificar nos posts. como disse anteriormente, podem assinar no final do comentário, sem problema. podem usar também apelidos, pseudonimos e que tais, mas assinem, por favor. assim os demais leitores - e eu também - ficam sabendo se foi uma ou mais de uma pessoa que postou os comentários.
abraço

10:59 PM  
Blogger Gustavo Weber said...

sei. eu quase ri, juro. senti meu diafragma contrair, alguma coisa vindo aqui de dentro, mas não era risada não, era o almoço de hoje mesmo.
anonimo espertinho. ainda te pego na esquina do blog.
:-D

7:09 PM  
Anonymous Anônimo said...

Na verdade você já nasceu grande Gustavo.
Vê o mundo de forma diferente.
É um dom. O outro é expressar isso tão bem. Admiro e invejo. Fico feliz por poder compartilhar.
Beijos querido!

4:38 PM  
Anonymous Anônimo said...

A anônima aí de cima sou eu. Tá vendo, as vezes não é covardia, é só ignorância mesmo.

4:45 PM  
Anonymous Anônimo said...

Ok, já escrevi algumas vezes aqui e agora vou passar a me identificar.
O texto lembra uma passagem do documentário do vinícius, em que alguém, acho que toquinho, comenta um problema de tradução envolvendo as angústias e alegrias do estilo de vida do vinícius.

eles estavam compondo e alguém disse 'melhor viver a ser feliz'. vinícius gostou da frase e telefonou para tom, que estava em NY gravando umas composições em inglês, e pediu pra ele tentar encaixar a frase em algum lugar, mas não deu jogo. O intérprete para o inglês insistiu que a única tradução possível seria 'better to live AND be happy' pq 'better to live THAN be happy' simplesmente em inglês não faz sentido. Claro que, rindo, desistiram.

Talvez, com mt esforço de tradução, seja possível tentar imaginar alguma fórmula em inglês pra esse teorema viniciano de preferir viver tudo até o fim, aquele jeito tão passional pra época, a tentar levar uma vida em que divertimento/sofrimento dá lugar à sensatez das certezas tranquilas.

Difícil, acho, traduzir em palavras o que sentimos e conseguir captar no outro o que realmente sente. Mas não é só da comunicação certa que me ressinto. Talvez não saibamos nem ao menos o que se passa dentro de nós: pq Vinicius tinha memória sabia que 'não era feliz'.

LM

5:30 PM  
Anonymous Anônimo said...

Muito bom o seu texto e o blog também. Sou fascinada pela história de Peter Pan e que coincidência mais feliz encontrar esse texto aqui! Valeu pelo site do Projeto Gutenberg, que eu não conhecia.
Se você quiser dar uma passadinha no meu blog, o endereço é www.olhosdagua.zip.net .

Um abraço,

Ana.

11:35 AM  
Anonymous Anônimo said...

É uma estória melaconcólica por assim dizer. Li o livro em 2003, como curiosidade q naum fiz qdo criança. Dá uma vontade de inserir no personagem (Pan) o fato de lembrar das coisas mesmo.Ele nem seker lembra se Tinkerblell(Sininho) stava viva ou naum no fim do Livro...:(

11:15 AM  
Anonymous Anônimo said...

Bonjour, pequenascoisasetc.blogspot.com!
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2:14 AM  

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