impressões impressionantes - sol e sal com jack
natal no rio é natal com verão de 40 graus, e verão no rio me lembra praia.
o presente de natal mais importante de toda minha vida foi uma morey. para os que não sabem, morey boogie era uma marca de prancha com a qual se fazia bodyboarding – na época, esse palavrão nem existia. lembro de desembrulhar o presente e ficar maravilhado com aquele gigante amarelo, a mítica match 7.7, quase do meu tamanho. foi o natal de 1986. tinha onze anos.
a morey foi meu passaporte à vida adulta. até então, ia acompanhado à praia e pegava onda com uma prancha de isopor grande e desajeitada – mas que amava como se fosse minha namoradinha. meu pai levava a mim e a meu irmão mais velho até o fundo e nos empurrava sobre as primeiras ondinhas, e descíamos, triunfantes, montados em nossas pranchinhas de isopor.
com a morey, passei a entrar no mar sozinho. e, em alguns meses, a ir à praia sozinho. de súbito, tinha a meus pés um mundo salgado a ser explorado. meu. sem intermediações. a praia era minha. o mar era meu. graças à morey, meu salvo conduto, meu habeas corpus marítimo. com pés de pato, morey e camisa de lycra – ou até mesmo, vejam só, short john, sim, aquela roupa de neoprene – tinha a certeza de, mesmo aos onze anos, ser reconhecido e respeitado como um igual por surfistas, moreyboogistas e salva vidas. um par entre pares. sim, até os salva vidas passavam a me olhar diferente, com grande respeito – ou assim eu acreditava.
os verões de 86/87 e 87/88 foram antológicos. uma febre de morey invadira as praias do rio, em especial na barra. na frente do barramares umas meninas da minha idade, desajeitadas, corpo curtido de tanto sal e sol, cabelos descoloridos, dividiam as ondas comigo. eram minhas musas. com o tempo acabaram famosas. glenda kozlowski, as irmãs nogueira – a mariana e a isabela -, stephanie pettersen.
e por que falo tanto desses tempos. ora, praia era sinônimo de música. as competições de bodyboarding traziam o melhor da surf music para meus ouvidos pré-adolescentes. das gigantescas torres de som instaladas na praia ouvia pela primeira vez hoodoo gurus, midnight oil, oingo boingo, man at work - entremeados por clássicos como dick deale, beach boys, peter tosh e bob marley. eu sei, poucos sobreviveram ao crivo do tempo, poucos deram algo de realmente novo ao mundo. mas, enfim, eram a trilha sonora das ondas.
com o tempo, fiquei um pouco medroso com o mar. quem diria que um velho de trinta anos teria mais medo do mar que um menino de onze. acontece. a praia, ela mesma, foi deixada de lado. trocada por cinemas, bares, noitadas, estudos, trabalho, e muito ar condicionado. curiosamente, a surf music também deixou de povoar meus verões. surf music sem praia não faz verão.
nesse natal, chegou em minhas mãos um disco do surfista e doublé de cantor jack johnson, in between dreams. voz suave e violão, baladas calmas e espirituosas. johnson pode ser excessivamente simples e repetitivo, nada original, um guitarrista e cantor mediano. mas nos passa sempre, sempre um contagiante alto astral. sua música relaxa e conforta, e nos remete a um mundo sem engarrafamentos, stress, poluição, em que podemos lagartear descompromissadamente sob o sol. não é nada demais, mas, céus, como combina com o calor da praia e o sal no corpo. johnson consegue ser a trilha sonora de qualquer verão com praia.
o disco terminou, não resisti, encontrei meu antigo pé de pato e, isso mesmo, fui pegar umas ondas. na minha idade, com parca habilidade, nem olhei pra velha morey, me restava apenas o bom e velho jacaré, pegar onda no peito e no braço – o que os modernosos chamam hoje de bodysurfing. mas fui à praia com a convicção de que poderia enfrentar aquele mar de novo. sentei na areia, o mar de ressaca, ondas altas, olhei para o posto dos salva vidas e notei que um deles me olhava inquisidor. o que aquele branquelo estava pensando? nem liguei, vesti os pés de pato, fiz o sinal da cruz e entrei. desci logo na rainha da série, dei um parafuso e despenquei. emergi exultante, feliz comigo mesmo. passei duas horas dentro d’água lembrando dos bons tempos. voltei pra casa e pus o disco do jack de novo. e pensei. velho? às favas!
nesse verão, se um dia foi surfista ou já gostou de praia, escute jack johnson. não renegue o passado, não se envergonhe de um dia ter usado longas e frouxas bermudas, cabelo parafinado ou pasta d’água no nariz. resgate sua velha prancha, seus pés de pato. pegue umas ondas. pode ser meio desajeitado a princípio. é, pode ser ridículo mesmo. pode ser excessivamente nostálgico. mas é bom. e, sim, os velhos são os outros. sempre.
o presente de natal mais importante de toda minha vida foi uma morey. para os que não sabem, morey boogie era uma marca de prancha com a qual se fazia bodyboarding – na época, esse palavrão nem existia. lembro de desembrulhar o presente e ficar maravilhado com aquele gigante amarelo, a mítica match 7.7, quase do meu tamanho. foi o natal de 1986. tinha onze anos.
a morey foi meu passaporte à vida adulta. até então, ia acompanhado à praia e pegava onda com uma prancha de isopor grande e desajeitada – mas que amava como se fosse minha namoradinha. meu pai levava a mim e a meu irmão mais velho até o fundo e nos empurrava sobre as primeiras ondinhas, e descíamos, triunfantes, montados em nossas pranchinhas de isopor.
com a morey, passei a entrar no mar sozinho. e, em alguns meses, a ir à praia sozinho. de súbito, tinha a meus pés um mundo salgado a ser explorado. meu. sem intermediações. a praia era minha. o mar era meu. graças à morey, meu salvo conduto, meu habeas corpus marítimo. com pés de pato, morey e camisa de lycra – ou até mesmo, vejam só, short john, sim, aquela roupa de neoprene – tinha a certeza de, mesmo aos onze anos, ser reconhecido e respeitado como um igual por surfistas, moreyboogistas e salva vidas. um par entre pares. sim, até os salva vidas passavam a me olhar diferente, com grande respeito – ou assim eu acreditava.
os verões de 86/87 e 87/88 foram antológicos. uma febre de morey invadira as praias do rio, em especial na barra. na frente do barramares umas meninas da minha idade, desajeitadas, corpo curtido de tanto sal e sol, cabelos descoloridos, dividiam as ondas comigo. eram minhas musas. com o tempo acabaram famosas. glenda kozlowski, as irmãs nogueira – a mariana e a isabela -, stephanie pettersen.
e por que falo tanto desses tempos. ora, praia era sinônimo de música. as competições de bodyboarding traziam o melhor da surf music para meus ouvidos pré-adolescentes. das gigantescas torres de som instaladas na praia ouvia pela primeira vez hoodoo gurus, midnight oil, oingo boingo, man at work - entremeados por clássicos como dick deale, beach boys, peter tosh e bob marley. eu sei, poucos sobreviveram ao crivo do tempo, poucos deram algo de realmente novo ao mundo. mas, enfim, eram a trilha sonora das ondas.
com o tempo, fiquei um pouco medroso com o mar. quem diria que um velho de trinta anos teria mais medo do mar que um menino de onze. acontece. a praia, ela mesma, foi deixada de lado. trocada por cinemas, bares, noitadas, estudos, trabalho, e muito ar condicionado. curiosamente, a surf music também deixou de povoar meus verões. surf music sem praia não faz verão.
nesse natal, chegou em minhas mãos um disco do surfista e doublé de cantor jack johnson, in between dreams. voz suave e violão, baladas calmas e espirituosas. johnson pode ser excessivamente simples e repetitivo, nada original, um guitarrista e cantor mediano. mas nos passa sempre, sempre um contagiante alto astral. sua música relaxa e conforta, e nos remete a um mundo sem engarrafamentos, stress, poluição, em que podemos lagartear descompromissadamente sob o sol. não é nada demais, mas, céus, como combina com o calor da praia e o sal no corpo. johnson consegue ser a trilha sonora de qualquer verão com praia.
o disco terminou, não resisti, encontrei meu antigo pé de pato e, isso mesmo, fui pegar umas ondas. na minha idade, com parca habilidade, nem olhei pra velha morey, me restava apenas o bom e velho jacaré, pegar onda no peito e no braço – o que os modernosos chamam hoje de bodysurfing. mas fui à praia com a convicção de que poderia enfrentar aquele mar de novo. sentei na areia, o mar de ressaca, ondas altas, olhei para o posto dos salva vidas e notei que um deles me olhava inquisidor. o que aquele branquelo estava pensando? nem liguei, vesti os pés de pato, fiz o sinal da cruz e entrei. desci logo na rainha da série, dei um parafuso e despenquei. emergi exultante, feliz comigo mesmo. passei duas horas dentro d’água lembrando dos bons tempos. voltei pra casa e pus o disco do jack de novo. e pensei. velho? às favas!
nesse verão, se um dia foi surfista ou já gostou de praia, escute jack johnson. não renegue o passado, não se envergonhe de um dia ter usado longas e frouxas bermudas, cabelo parafinado ou pasta d’água no nariz. resgate sua velha prancha, seus pés de pato. pegue umas ondas. pode ser meio desajeitado a princípio. é, pode ser ridículo mesmo. pode ser excessivamente nostálgico. mas é bom. e, sim, os velhos são os outros. sempre.
Marcadores: musica
13 Comments:
Alo velho rapaz,como senti saudade daqueles tempos,voces todos uns pirralhos ,metidos a homens e os velhos de ontem e macrobios de hoje morrendo de ansiedade ate ve-los sao e salvos em baixo das nossas asas
senhores, senhoras. o comentário acima é de minha avó, dona Leda, matriarca da família e racker de internet. saudades daqueles tempos, vó. precisei que meu pai e você me confirmassem que um dia já fui surfista - segundo meu pai, um bom surfista, ah, benevolentes olhos de pai! - para que me lembrasse daqueles bons tempos em que a barra era só um belo areal a ser explorado pela horda de crianças da família. beijo, vó.
(gente, minhá vó aqui! pronto, esse blog é definitivamente um sucesso! agora ninguém me segura)
Gustavo do céu, seu texto me lembrou os verões da minha infância em Coqueiral de Itaparica (ES). Como é gostoso saborear boas lembranças... eu era magrela, dava dó!!! vivia com os ossos dos quadris arranhados de tanto tomar "caldos" na "espuma". Eu e meus irmãos disputávamos uma prancha de isopor. Um dia ela quebrou e aí foi só jacaré mesmo... risos...
Bjs,
Whilzi
Gustavo!
Adorei o seu post! Além de extremamente bem escrito - pois consegui visualizar todas as cenas na minha cabeça -, me deu uma vontade enorme de ir à praia...
Ah... triste este janeiro em Brasília.
Anyway, adorei a esse papo da sua vó comentar no seu blog! Sensacional!
Beijos e até a volta!
Seu pai falou que vc sabia surfar?? nossa... amor de pai não tem tamanho mesmo hein?!? lindo seu texto!! morro de saudades de vc e daquela epoca!!
bjos
E Gustavo surfava pacas! Se bem que esse negocio de prancha e' para mariquinhas, sempre achei. Nada melhor do que despencar no peito, so com o pe-de-pato e folego!
E tem mais, velho e' a mae!!!
LW
Seu pai tá certo, Gustavinho. Velho é a mãe,,hahahaha
Adorei ' conhecer 'sua avó'. Dona Ieda, ele fala muito na senhora. Aliás, é só do que ele fala.
Adorei.
Ligia
E corrigindo:Leda.
Ligia
Caramba!!! Tanta coisa pra ler...
Espero um tiquinho aê!
Espero não, espera tu. Espere você.
Ab hoc momento pendet eternitas!
:-)
Ab hoc momento pendet eternitas!
(A eterninade depende deste momento).
Ponto final.
E sem fotos pra registrar esse momento antológico, né, Gustavo? Falta uma foto de praia pra por no seu álbum. Pq de marinheiro você já tem ( sucesso absoluto ).
Ligia
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