quarto - porque o exílio é dentro
relendo o texto sobre o filme do walter salles, percebi o quanto a noção de exílio lembra idéias de gaston bachelard no livro poética do espaço. ele mostra a necessidade da casa para nós, sem o qual viveríamos dispersos pelo mundo. a casa seria a morada do ser. para bachelard, esse espaço seria tão vital que, se fosse necessário, poderia ser reduzido a um canto, qualquer que seja - um quarto, um debaixo de cama.
o exílio dificulta a construção desse espaço - daí sua crueldade - por estarmos desterrados, longe do que nos acolhe, do que reconhecemos e do que nos reconhece. e, por isso mesmo, nos impele a fazer de qualquer canto um refúgio da alma. a solução última seria, talvez, um refúgio em si mesmo, isolando-se do fora. mas existiria esse fora? o quanto de nós permanece dentro, em nós? há de fato um dentro em contraposição ao fora? talvez não. afinal, não somos feitos de nossa circunstância - uma dobra do mundo, como diria deleuze? mas, se esse fora não nos compõe, não nos diz nada, o que nos resta, desterrados em nós mesmos?
I
Esquecer-me dentro
– como um quarto.
Fazer-me, alhures, aposento exílio
Para estancar os movimentos
E acomodar o quanto de mim exato,
sem arranjos ou mobílias.
Distinguindo
o que de resto ainda adere inequívoco e o que
adereço.
II
Reter-me por um segundo por um quarto
Dentro
(gaiola de Faraday
que espalhe silêncios
e espantalhe o mundo)
Para apropriar o verdadeiro o próprio o eu
E aposentar o que não me for indispensável.
III
Esquecer-me dentro em quarto exílio
– para buscar o que me resta
intrínseco –
E não me descobrir
senão
inutensílio.
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