todos os eus e mais alguns - parte III
10 anos sem 80
Pois em verdade eu já fui rapaz, já fui donzela,
fui arbusto, pássaro, ardente peixe do mar.
(Empédocles, IX:569)
o epigrama do empédocles é lindo, mas não tem nada a ver com o assunto do post - uma boa maneira de começar com um ar mais respeitável.
na verdade, ele me levou a lembrar desse blogo, veículo espúrio de todos meus eus. e foi quando dei por mim e percebi. há 10 anos morreu a 80g, minha primeira e única revista.
como mann explicou no primeiro editorial, éramos três garotos da faculdade de comunicação - depois quatro, com a entrada do juliano. a vida lá tinha suas coisas boas: a primavera, os bailezinhos, as borboletas, o sapato engraxado, os chocolates godiva, os aguapés do laguinho. um belo dia tudo mudou. o gato do villela caiu do sétimo andar e desssa vez não sobreviveu, eu cortei o lóbulo da orelha protegendo a gisele do seu cafetão na prado jr., e saint exupery deixou de ser engraçado para o mann. então descobrimos que nada do que o mundo dizia fazia sentido. e bem, foi uma boa desculpa para montar uma revista literária. é bem verdade que de revista não tinha nada, não era nada mais que um pernicioso instrumento para divulgarmos todo e qualquer tipo de texto, odes eróticas, contos pérfidos, poemas insalubérrimos, receitas de space cake e equações de cálculo infinitesimal. mas foi uma forma de fazer as desrazões do mundo passarem mais fagueiras. era 1994.
durou quatro números, o quarto aliás não foi distribuído, pois percebemos que a revista estava corrompida: fora editada em peige meiquer. terrível, terrível, afinal, até então era feita da melhor maneira possível, com os originais - algumas páginas feitas com papel mimeografado, outras com uma velha olivetti da mãe do villela, e mesmo algumas com uma velha impressora matricial - sendo colados numa mistura de cola branca e natunóbilis, que acabava entornando por cima de tudo, mas curiosamente grudava que era uma beleza. ateamos fogo nas duas caixas com todos os exemplares do último número e uma coleção do tailor caldwell do mann - que convencemos a se livrar - em um ritual waimiri atroari que o juliano sabia decor, a vodka natasha substituindo com admirável compostura a poção xamânica, e letras do lou reed e uivos do villela se mesclando com os estalos de língua e verborragias védicas do mann. as chamas subiam altas enquanto dançavamos ao redor da cremação, todos nus, até os soldados da praia do forte imbuí, em niterói - lugar escolhido para a cerimônia -, atirarem para o alto e voltarmos a nado para o rio de janeiro. acabamos pegando uma carona numa traineira que apontava para copacabana e lá desembarcamos, vestidos de nu, na frente do copacabana palace, e fomos tomar chá no terraço para curar a ressaca. não sei se foi exatamente assim, mas é assim que gosto de me lembrar. era 1995. foram bons tempos.
cada um dos quatro números foi dedicado a alguns de nossos heróis. o primeiro para a eterna lídia vance (que deus cure as suas cáries); para o pai de todos os porres, o gênio henry chinaski; e para o brilhante cafezeiro mad dog. outros foram homenageados, sallinger, fante, lirio mario da costa, não me lembro de todos. como era costume, dedico esse post a meus cúmplices oliver mann, gustavo villela e juliano borges. que krishna tenha piedade de nós e nossas patifarias.
a revista foi-se, assim como as últimas garrafas de tatu – carinhoso apelido, talvez pela sensação de estar embaixo da terra ao acordar –, de uma caixa que um de nós tinha comprado ao ganhar na raspadinha – gastamos o prêmio todo em putas, tatus e kinder ovo.
tempos depois, resolvi mudar de ares, deixar o rio e seus engarrafamentos centopéicos. um dia, peguei meu uninho mille, coloquei minha enciclopédia barsa, meu atari, as obras completas do machado de assis e a minha coleção do zéfiro dentro do porta malas, e cruzei o cerrado em direção a ávalon. Mas, bem, essa é outra estória.
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4 Comments:
Um novo capítulo da mais linda história que até aqui vem sendo escrita.
Bom, como testemunha ocular, nada tenho a acrescentar.
Façamos um brinde à eterna memória da 80g!
saudades nina. saudades. e como diria orson wells. é tudo verdade. sempre. :-)
Na juventude, todos queremos ser Bukowskis.. Mas depois descobrimos que os livros dele são uma merda.. Bem, pelo menos eu acho, assim como os do Henry Miller.. Sou mais o Fausto Wolff..
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