quinta-feira, dezembro 08, 2005

impressões impressionantes - zera a reza

meu primeiro contato com poesia concreta foi com caetano veloso. caetano não era bem algo que se ouvia lá em casa - meus pais preferiam chico. meu pai, violonista apaixonado por baden e paulo nogueira, decretava sua sentança: esse rapaz é desafinado, e, além do mais, rebola demais. para mim era o bastante, afinal, menino, confiava firmemente nos juízos paternos. desafinado e gay não pode. ok.

um belo dia, meu pai me chega em casa com um LP - sim, foi há algum tempo - do caetano, com uma capa despretensiosa, simples, apenas ele abraçado ao violão. passou alguns dias ouvindo atentamente ao disco. um dia, me chamou, colocou o disco pra tocar, e avisou, escute com atenção. esse rapaz aprendeu a tocar violão. e repetia a frase a cada nova canção, pensativo. vez por outra, dizia, e aprendeu a cantar também. assim caetano entrou em nossa casa. (hoje, não por acaso, meu pai é um ardoroso fã de caetano)

no disco, uma música me incomodava. pulsar. não era música. era um poema de augusto de campos musicado por caetano. nunca tinha ouvido algo parecido. as palavras seguiam em um ritmo pulsante, acompanhadas apenas por um sino e um bumbo, este tocado sempre que a letra O surgia em alguma palavra, o que materializava perfeitamente a redondice da letra, assim como seu vazio. o pulso da música, na verdade, nada mais fazia que evidenciar um vazio que entranhava tudo, a letra O, o sentido do poema, o eco incessante do bumbo invisível. o equilíbrio entre palavra e vazio, entre bumbo e sino, entre a voz de caetano e a ausência de música, tudo me fascinou. naquele dia, aprendi o que era poesia concreta.

o resto é estória. comecei a ler poesia concreta, décio pignatari, augusto e haroldo de campos, noigandres. comecei a ouvir caetano, e pinçar uma ou outra coisa diferente, concretismos do rapaz, diria meu pai. batmacumba, guá, asa, tudo tudo tudo, relance, julia/moreno.

percebi que o concretismo, com o tempo, se dissolvera em suas letras. estava lá, mas nada tão explícito quanto antes. uma coisa aqui outra ali mais explícita, como "as coisas" do arnaldo antunes, musicada no tropicália dois. coincidência ou não, o concretismo também foi ficando para trás em minha vida, os livros se escondendo atrás de outros na bagunça das estantes. sempre presente, não mais explícito, uma música do arnaldo antunes aqui, outra da adriana calcanhoto ali. como caetano, surgiam dissolvidos também em pequenas coisas minhas escritas, isomorfismos aqui, um jogo não discursivo ali, pitadas de experiências que augusto de campos chamaria de verbi-voco-visualidade, o que quer que seja isso.

dia desses, ouvi pela primeira vez noites do norte, lançado em 2000, se não me engano. e a primeira canção fez despencar uma parede de concreto no meio do chão de minha sala. e tudo voltou, como um agora e sempre, sem sequer me fazer sentir saudades, de tão presente.
caetano voltava a sua clara e firme concretude. bastava a primeira estrofe da música para ele anunciar que suas duras raízes ainda restavam lá, impassíveis.

caetano joga com o sentido, o som e a palavra, esfrega o semantema em nossos ouvidos, brinca de quebra-cabeça com sílabas, e cria. ao longo de toda a estrofe, as palavras se repetem, partidas ao meio, sílabas em uma lúdica dança das cadeiras, sem que em nenhum momento a música se perca, sem que ele esqueça seu propósito, o sentido final da canção. a junção perfeita do que pound chamou de melopéia - óbvia não apenas por ser uma canção, mas pela própria sonoridade das palavras - fanopéia - com a criação de nítidas imagens, como a embarcação sendo levada pelo vento - e logopéia - ao forçar nossos ouvidos a prestar atenção a tão poucas palavras, restaurando a força inicial de cada uma delas, e, ao mesmo tempo, construindo claramente, palavra por palavra, tijolo sobre tijolo, a idéia da canção.

com uma idéia simples e direta, instaura o novo, e nos mostra como a poesia concreta ainda vive.

zera a reza - caetano veloso

Vela leva a seta tesa
Rema na maré
Rima mira a terça certa
E zera a reza

Zera a reza, meu amor
Canta o pagode do nosso viver
Que a gente pode entre dor e prazer
Pagar pra ver o que pode
E o que não pode ser
A pureza desse amor
Espalha espelhos pelo carnaval
E cada cara e corpo é desigual
Sabe o que é bom e o que é mau
Chão é céu
E é seu e meu
E eu sou quem não morre nunca

Vela leva a seta tesa
Rema na maré
Rima mira a terça certa
E zera a reza

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3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Caretano Zeloso, palhaço?
Hum? Han? Hein? Cadê o filho da puta do Édipo? Gosto mais dele.
Ele é filho da mãe com gosto.
:-P

3:10 AM  
Anonymous Anônimo said...

Em Brasília, 3h30 da manhã...
yayayayayayayaya

3:11 AM  
Anonymous Anônimo said...

E Mario Chamie nem tinha nascido quando inventaram Gustavo Weber.

5:21 PM  

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