impressões impressionantes - o exílio, por waltinho e daniela
há algumas semanas, tive vontade de escrever sobre o poema "canção do exílio", de gonçalves dias, uma das pedras fundamentais da poesia brasileira. talvez por estar tão próximo de rever o rio, e pelo costume que tenho de considerar um exílio minha estada no cerrado - uma cruel meia verdade.
acabei não escrevendo, sorte minha. o que haveria de novo em falar desse poema? basta procurar na internet e verão como o assunto já foi - e ainda é - estudado, analisado, virado e revirado. sim, mistura exemplarmente saudade e nacionalismo. sim, dezenas de escritores nos últimos cento e cinquenta anos revisitaram a canção, de casimiro de abreu a oswald de andrade, de murilo mendes a torquato neto. carlos drummond, fagner. e, claro, tom jobim e chico, com sua sabiá - talvez os que melhor souberam reinventar o poema original.
alguns dias atrás, soube do recente lançamento do dvd "terra estrangeira", do walter salles e da daniela thomas, em comemoração dos dez anos do filme. e a velha canção do exílio voltou a minha mente. melhor filme brasileiro dos últimos dez anos - junto com lavoura arcaica - o filme do waltinho e da daniela também trata de exílio. mas vai além do poema de dias.
a saudade da terra natal - típica da obra de dias - está evidente na personagem de laura cardoso, mãe de paco - fernando alves pinto -, o protagonista do filme. morando em são paulo há anos, ela se sente estrangeira em nossas terras. vive apenas pelo sonho de um dia retornar à cidade onde nasceu, na espanha. briga com o filho por isso, "você não pode dizer esqueça san sebastian, como se fosse um capricho meu. é san sebastian que não me larga, paco." sua obsessão em voltar é tanta que morre quando desobre que nunca poderá concretizar seus planos. mas o filme de waltinho e daniela atravessa o exílio romântico e segue adiante.
com a morte da mãe - pátria mãe -, sua única família, seu lar, paco sente-se exilado. um exílio para além do lugar, desterrado na própria terra. com paco, há uma inversão da idéia romântica do exílio, na qual o poeta vive melancolicamente a sonhar com a terra natal. Aqui o sentimento de exilado se dá em sua própria casa. a situação de paco lembra um poema de quintana, chamado "uma canção":
Minha terra não tem palmeiras...
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.
(...)
Mas onde a palavra "onde"?
Terra ingrata, ingrato filho,
Sob os céus da minha terra
Eu canto a Canção do Exílio!
a sensação de não-pertencimento de paco o leva a uma atitude inusitada: adotar a cidade da mãe como seu porto seguro, como sua possível terra natal. paco une em san sebastian dois ideais: a pátria idílica, o saudoso lar - tendo saudades do que nunca viu -; e a terra prometida, sua pasárgada, onde será amigo do rei e todos os problemas desaparecerão.
acabei não escrevendo, sorte minha. o que haveria de novo em falar desse poema? basta procurar na internet e verão como o assunto já foi - e ainda é - estudado, analisado, virado e revirado. sim, mistura exemplarmente saudade e nacionalismo. sim, dezenas de escritores nos últimos cento e cinquenta anos revisitaram a canção, de casimiro de abreu a oswald de andrade, de murilo mendes a torquato neto. carlos drummond, fagner. e, claro, tom jobim e chico, com sua sabiá - talvez os que melhor souberam reinventar o poema original.
alguns dias atrás, soube do recente lançamento do dvd "terra estrangeira", do walter salles e da daniela thomas, em comemoração dos dez anos do filme. e a velha canção do exílio voltou a minha mente. melhor filme brasileiro dos últimos dez anos - junto com lavoura arcaica - o filme do waltinho e da daniela também trata de exílio. mas vai além do poema de dias.
a saudade da terra natal - típica da obra de dias - está evidente na personagem de laura cardoso, mãe de paco - fernando alves pinto -, o protagonista do filme. morando em são paulo há anos, ela se sente estrangeira em nossas terras. vive apenas pelo sonho de um dia retornar à cidade onde nasceu, na espanha. briga com o filho por isso, "você não pode dizer esqueça san sebastian, como se fosse um capricho meu. é san sebastian que não me larga, paco." sua obsessão em voltar é tanta que morre quando desobre que nunca poderá concretizar seus planos. mas o filme de waltinho e daniela atravessa o exílio romântico e segue adiante.
com a morte da mãe - pátria mãe -, sua única família, seu lar, paco sente-se exilado. um exílio para além do lugar, desterrado na própria terra. com paco, há uma inversão da idéia romântica do exílio, na qual o poeta vive melancolicamente a sonhar com a terra natal. Aqui o sentimento de exilado se dá em sua própria casa. a situação de paco lembra um poema de quintana, chamado "uma canção":
Minha terra não tem palmeiras...
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.
(...)
Mas onde a palavra "onde"?
Terra ingrata, ingrato filho,
Sob os céus da minha terra
Eu canto a Canção do Exílio!
a sensação de não-pertencimento de paco o leva a uma atitude inusitada: adotar a cidade da mãe como seu porto seguro, como sua possível terra natal. paco une em san sebastian dois ideais: a pátria idílica, o saudoso lar - tendo saudades do que nunca viu -; e a terra prometida, sua pasárgada, onde será amigo do rei e todos os problemas desaparecerão.
seja por querer fugir do não-lugar onde vive, seja por tentar buscar algum reconforto nas lembranças emprestadas da mãe, paco inicia sua jornada. nela, conhece alex - fernanda torres. a busca atormentada de paco por san sebastian se contrapõe ao realismo cínico da moça. ocupada demais em sobreviver à dura realidade do exílio, alex não sonha. mas sofre. sofre com a incapacidade de ser aceita em portugal, seja pelo sotaque, seja pelo simples preconceito de ser brasileira. confessa logo no início do filme, "quanto mais tempo passa, mais me sinto estrangeira".
em um momento do filme, porém, alex percebe que não tem para onde voltar. vendera seu passaporte, seu marido está morto. para onde ir? diz ela "queria tanto voltar para casa". paco pergunta onde é sua casa. "não sei. aqui é que não é." alex acaba por se apaixonar por paco, e por seu sonho de uma pasárgada-pátria. juntos, talvez, possam construir sua própria casa.
waltinho e daniela brincam cruelmente com o destino da personagem mais humana do filme, a única que não consegue libertar-se da realidade que a circunda. alex não vive o desenraizamento despreocupado, irresponsável e onírico de seu marido - miguel, vivido por alexandre borges -, ou o sofrimento para além do humano da mãe de paco, ou mesmo o heroísmo trágico e melancólico de paco. entre os três arquétipos - o bufão, a mãe e seu eterno sofrimento, e o herói - alex acaba abraçando o último, seja por amor, seja por desespero. faz do amor desesperado por paco sua pátria.
a cena do navio encalhado na praia - que, segundo o próprio walter, deu origem ao filme - sintetiza a angústia do desterro, utilizando a medida certa de poesia e aridez. como voltar, como sair dessa praia deserta? da mesma forma, a sofrida canção final do filme, "vapor barato", nos lembra que devemos tomar aquele velho navio e partir, e insinua que talvez um dia voltemos, quem sabe, um dia.
náufragos em praia desconhecida, paco e alex se agarram à esperança de uma terra em que se sintam em casa. mas ela não virá. com paco moribundo em seu colo, dirigindo em uma estrada que leva nada a lugar nenhum, alex chora as últimas palavras do filme, num misto de promessa e desejo: "eu juro que um dia eu te levo pra casa, meu amor". coincidência ou não, gonçalves dias nunca tornou a ver sua pátria. vindo da europa, seu navio naufragou na costa brasileira. e a metáfora do navio encalhado ganha ainda mais força.
com "terra estrangeira", waltinho e daniela nos ensinam o que é exílio e seu sofrimento, e como podemos nos perder, mesmo em nossa própria terra. a dor de alex é a dor de saber que seu navio nunca virá. por mais que ela jure tragicamente ao seu amor que um dia o levará pra casa. a dor de saber que nunca voltaremos, pois não temos para onde voltar.
Marcadores: cinema
7 Comments:
Eu ia ler, juro.
Mas essa foto... fiquei olhando...
Mas eu vou ler. Juro.
André
De quem é a foto?
Ligia
poxa, pasárgada não existe?? ah, nãaaaooo
então, exílo existencial...o bachelard, na poética dos espaços, fala da casa como uma solidão, um recolhimento (da hostilidade do mundo), um devaneio de repouso. é, devaneio.
deve haver algum lugar.
lindo texto, gu.
epa, só não posso concordar com a comparação entre lavoura arcaica (que é muito bom)com o maravilhoso e estupendo e estonteante e translumbrante terra estrangeira. ora bolas.
abç forte, mon chère
oi andré!!
deixa de ser preguicento e lê.
abração, minino
a foto, liginha, é uma cena do filme. logo, do walter carvalho, nosso mestre.
bachelard, ro? puxa, gostei. me empresta? to com umas idéias usando o que vc disse :-)
o andré jurou que leu. e eu juro que acredito.
Eu li sem precisar jurar. Achava que estava em casa qdo li. Agora não sei mais... Abs,
Christiano
o exílio é como o sertão, árido, vive dentro da gente.
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