todos os eus e mais alguns - parte V
um belo dia, um colega me interrompeu no trabalho e perguntou por que razão eu era ateu. passei alguns longos segundos pensando se valia a pena enveredar por essa aventura perigosa de discutir religião com um crente. acabei não sendo muito prudente, e pensei, ok, vamos lá, pode ser divertido.
– pela própria palavra que você usou na pergunta: razão, meu caro, razão. não há muito bem uma razão pra isso, não? por isso inventaram uma outra palavra, fé. que por sinal, não é nada supimpa, senão não existiria a expressão boa-fé, certo? além do mais, não faz sentido vocês dizerem que deus nos criou a sua imagem e semelhança. preste atenção, acreditar nisso: semelhantes a deus! um dos sete pecados capitais não é a soberba? ora, acreditar em deus e que nós fomos feitos a sua imagem e semelhança seria então pecado de orgulho, simples assim. menos, menos; humildade, meu caro, humildade.
ele fez ouvidos moucos e insistiu. “mas por que você não acredita em deus?”
antes que ele iniciasse o monólogo sobre suas convicções, respondi.
- mas eu acredito. assim como acredito na bicicleta. o homem inventou a bicicleta, o espanador. nem por isso deixam existir, e de ter alguma utilidade, certo? bom, não vejo utilidade pro espanador, é verdade. mas, enfim, se é pra acreditar em algo, por que não acreditar em tudo logo? fadas, boitatá, elvis. e, bem, monoteísmo é meio cacetante, não? politeísmo é mais divertido, a gente pode contar mais estórias, são mais personagens, a criatividade corre solta.
ele me olhava, não sei se incrédulo ou se não entendia nada do que dizia. aproveitei e continuei o monólogo.
- bem, se bem que vocês católicos são politeístas, não? os santos são uma idéia genial. por isso são tão populares. cada um com uma característica, com uma mania, com dias, cores, hinos. o máximo. um olimpo sem sacanagem, o único demérito. e, afinal, esse negócio de santíssima trindade é meio um politeísmo escamoteado.
não agüentou e resolveu defender seu panteão.
- espere lá, a santíssima trindade representa uma só coisa: deus. veja bem,
seu veja bem me deixou curiosíssimo. resolvi prestar toda a atenção que um coroinha poderia dar.
- deus é o princípio de tudo. é tudo, e sabe tudo. sabe tanto que sabe que ele mesmo existe. só que esse ato de conhecer a si mesmo, esse autoconhecimento, é manifestado num outro eu para os homens. deus deu o nome disso de cristo, seu filho. e o amor que sente por ele é o espírito santo.
fiquei chocado. quer dizer que esse amor próprio é o espírito santo? céus. nunca tinha ouvido algo tão esquisofrênico e narcisista. chegaria a ser incestuoso, se o outro não fosse ele mesmo. deixei estar e perguntei algo menos chocante.
- pera lá. deus é o princípio. mas princípio é o que jaz, o fundamento, sub jectum. mas deus é verbo também, não é? não está escrito na bíblia que ele é verbo? ele é o sujeito e o verbo? humm. legal. isso sim é poesia concreta.
- deus é verbo sim. verbo é a ação. toda a ação vem de deus.
- deus é ação, ação é movimento. bom. isso é bom. como diz a música, o movimento é sexy. logo, deus é sexy. mas, veja bem – agora era a minha vez de tascar um veja bem – essa história de ser sujeito verbo e predicado, princípio meio e fim, insípido inodoro e incolor, larry curly e moe, todas essas trindades santíssimas já eram manjadas. o hinduísmo se baseia em três também: brahma, vishnu e shiva. criação, permanência e destruição. já estava tudo lá. se é pra acreditar em algo, vou pelo original, nada de cópia. e essa história de amor incondicional, olha, o budismo inventou isso também: amor, compaixão por tudo e por todos. e esse negócio maniqueísta, o bem vence o mal, espanta o temporal, o azul e o amarelo, tudo é muito belo, isso também é anterior ao cristianismo, vem do zoroastrismo. a única novidade de vocês é a culpa, que, venhamos e convenhamos, foi uma invençãozinha desgraçada, não? a gente não precisa de culpa: basta prudência, amor, fidelidade, honestidade, gratidão. e essas coisas já estavam por aí, funcionando muito bem sem culpa e sem deus. eu acho que...
não deixou eu terminar minhas especulações e foi embora. eu ri e voltei pro trabalho.
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9 Comments:
Deus existe sim. Vou encontrar com ele em São Paulo, ora bolas.
E você, Gustavo Weber dos Santos, foi feito à sua imagem e semelhança.
Ligia
Esse é um assunto interminável. Qualquer religião é melhor aceita que nenhuma. Dá pano pra muita manga.
Parêntesis: Esquizofrênico é com "Z".
nós, ateus, temos que nos unir! somos discriminados por nossa descrença!
Trate de consertar a palavra. É com "Z". Escreve lá: Ezquisofrênico.
Caríssimos,
adoro receber comentários, dicas, avisos, pitos, elogios, cantadas e sugestões nesse espaço. usem e abusem - sim, abusem, podem abusar.
agora, se possível, quando usarem a identidade "anônimo", que tal assinar ao final do comentário? como fez a ligia, por exemplo. não precisa usar o próprio nome. iniciais, apelidos, alteregos, pseudônimos e que tais são mais que bem-vindos. assim evitamos que os comentários fiquem esquisofrênicos - com ou sem "Z". por favor, não se encabulem. podem postar!
abraço.
deus é sexy! ótimo. gostei.
bjim
realmente, a culpa presta-se, no máximo, para alimentar o masoquismo e a auto comiseração.
vc sabe que o cristão já nasce em dívida? Já nasce pecado... já nasce devendo pq umas pessoas aí andaram matando o queridinho do Jesus.
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