impressões impressionantes - a solidão e o amor de frankie e johnny
acordei no meio da noite. fiz um chá, acendi um cigarro. e, sentado na sala, vestindo uma camiseta velha e puída, de caneca em punho, cotovelos sobre a mesa, fitei meu reflexo na janela fechada e percebi. lá estava eu, num quadro de hopper.
edward hopper nos ensinou o que é solidão. seus quadros nos arremessam no vazio das grandes cidades, nos mostram , janela a dentro, a melancolia do quartos desabitados, a indiferença entre as pessoas, o isolamento que podemos criar, mesmo imersos na multidão. quem nunca se sentiu personagem de hopper? quem nunca teve medo de voltar para a casa, tarde da noite, para evitar o opressivo vazio que estaria nos aguardando, e preferiu antes entrar num bar, num café, e juntar-se a outros desconhecidos no balcão, que também apenas aguardavam, indefinidamente, esse sentimento passar?
no filme frankie e johnny, de 1991, al pacino (johnny) confessa: tenho vontade de me matar quando penso que sou a única pessoa no mundo, preso nesse corpo, que nada faz a não ser esbarrar em outros corpos pelas ruas, sem nunca se conectar. precisamos nos conectar. precisamos nos conectar. frankie e johnny trata dessa solidão. mas também fala de como podemos rompê-la.
frankie (michelle pfeiffer) é garçonete num restaurante barato de manhattan. vive ilhada do mundo, em segurança, acompanhada apenas por sua tristeza. ao visitar a mãe, no inicio do filme, admite: talvez eu não seja a pessoa mais feliz do mundo. frankie vive uma prisão. construiu essa prisão, temerosa de se magoar de novo, de ser obrigada a enfrentar seus próprios sentimentos. prefere um vídeo cassete. prefere assistir ao mundo pela televisão.
johnny acaba de sair da prisão. de fato. e talvez por saber que toda prisão é uma morte em vida, tem vontade. anseia viver. como frankie, também é solitário. como frankie, também tenta simular a vida, e paga uma prostituta para apenas dormir abraçado a ele, na esperança de enganar o vazio. mas sabe que isso não basta.
johnny é contratado como cozinheiro no restaurante de frankie. os dois se conhecem. se apaixonam. mas frankie decide que não vale a pena. pesa as possíveis conseqüências, teme ser magoada. prefere a monotonia de pizzas e vídeos. falta a ela vontade. mais que isso, falta coragem.
sponville diz, coragem não é um saber, mas uma decisão, um ato. depende, unicamente, de nós. por isso é preciso coragem para pensar, como é preciso para lutar, ou se apaixonar e investir em sua paixão, ou amar e lutar por seu amor, porque ninguém pode pensar em nosso lugar, nem lutar nem amar por nós, e porque a razão não basta, nem a verdade, nem mesmo o amor, se não há ação. porque é necessário ainda superar em si tudo o que estremece ou resiste, tudo o que preferiria uma ilusão tranqüilizadora ou uma mentira confortável. é preciso lutar contra a morte em vida. o medo nos paralisa. a coragem triunfa sobre o medo, pelo menos tenta triunfar, e já é corajoso tentar. que virtude, de outro modo? qual vida? qual felicidade?
johnny ama frankie. não esconde isso. age. é tão ansioso em viver esse amor que a assusta. ele explica: tenho medo que você fuja, se esconda naquele lugar em que se sente tão segura, por isso sou tão intenso. mas o amor de johnny não quer apenas a paixão idealizada dos romances. não quer apenas o sexo fugaz ou a tensão do que lhe falta, o mistério, o eros sôfrego de romeu ou tristão. johnny quer compartilhar a vida. mas teme que frankie não tenha coragem de fazer o mesmo. conectar.
ao final do filme, sentado na cama de frankie, ele declara: tudo o que quero está nesse quarto. ele se sente feliz pelo simples fato de existir, saboreando aquele momento com a mulher que ama. deseja aquilo que já tem, e sabe ser esta a verdadeira felicidade. sem anseios, sem arroubos, sem sonhos ou amores platônicos. apenas alegria e realização. alegria da realização. mas frankie também deve se entregar ao amor que sente e abraçar o instante. johnny pede para que frankie não tenha medo. ela desabafa: eu tenho medo. medo de ficar sozinha, medo de não ficar sozinha. medo do que sou, do que não sou, do que posso me tornar, do que nunca me tornarei. não quero ficar no meu trabalho para sempre, mas tenho medo de deixá-lo. e estou tão cansada. tão cansada de ter medo.
o medo de frankie é o medo de todos nós. que nos impede de tomar atitudes, de tentar realizar os sonhos, de abrir janelas e portas. o tão seguro medo que nos faz construir muralhas e nos aprisiona a uma vida sem vida, à monotonia, à paralisia.
frankie resolve arriscar. na última frase do filme, ela sorri para johnny e pergunta, no matter what? sua pergunta na verdade é uma afirmação. bastava a ela coragem para decidir. e ela decide pelo amor. não importa o que aconteça. no matter what. sentados à janela – e a janela solitária de hopper deixa de parecer tão solitária –, escovando os dentes, frankie e johnny assistem ao nascer de um novo dia, e sabem que aquilo basta. tudo o que precisam está naquele quarto. e claire de lune, de debussy, que passeia discretamente ao longo do filme como um véu de amor e melancolia, enfim toca no rádio do apartamento e toma o ambiente, as ruas, a cidade. e confirma com suas notas como a simplicidade do amor pode varrer a solidão. basta coragem.
Marcadores: cinema
10 Comments:
Viva o amor! Viva.
Esse filme é lindo.
Sim, acho que também posso ser um personagem de hooper.
Um beijo,
Ju
oohh, que lindo ficou isso tudo. e que simples pode ser a vida. e que difícil tb.
bj
Além da coragem precisa de alguém capaz de te tirar da inércia, né? Há que se ter um objeto digno da nossa afeição, rapazinho. E isso pode ser tãããão difícil de encontrar. (viu? comentei)
Marcela
Ai, ai, ai. A gente vivenciando, de novo, a cada linha. Você devia ser roteirista de cinema. Dá dinheiro.
Ligia
Oi, Gustavo
Sou amiga da Marcela e vi o link pro teu blog no orkut.
Vi esse filme há séculos atrás e nem me lembrava dele direito. (Fiquei impressionada em perceber o quanto da Frankie tenho em mim, mas não espalha.)
Adorei o post. Mesmo!
Beijo
caí aqui meio sem querer, passeando pelas páginas que a solidão proporciona. gosto dela, ainda que às vezes ressinta desta conexão que fala. mas o que mais me chamou a atenção foi o final: lembrar que
é presente que importa, nada mais existe além deste instante, o agora.
vc escreve mt bem.
Lindo, lindo, lindo... A Rô tinha razão, adorei demais seu blog, Gu. Serei sua mais nova leitora, me deliciando com seus posts. Muito bom...
Ah, aproveito pra te convidar pra festejar meu aniversário, nessa quinta-feira, lá no Landscape. Aquele rockzinho alternativo de sempre, será que vc anima? (hehe)
Parabéns pelos belos textos!
Beijinhos,
Continue paixão, que coisa boa ler seus textos. E quão grande é essa pequena coisa, o amor!
Muito bom, mas tijolo não revida.
Largo o cigarro, gênio.
Tijolo não revida, a Rô tinha razão
caí aqui meio sem querer. Ai, ai, ai. Vi esse filme há séculos atrás e nem me lembrava dele direito. Esse filme é lindo. Dá dinheiro.oohh, que lindo ficou isso tudo. Largo o cigarro, gênio. Continue paixão, mas o que mais me chamou a atenção foi o final:
(viu? comentei)
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