segunda-feira, maio 22, 2006

aprendendo com o silêncio de Bashô

"Por vezes atento. É quando a tarde cala e a noite hesita. Vem do jardim um solo atípico. De silêncios. Sequer um silvo, um chio, grilos e moscas nem ao menos movem. Aguardam. Só o vento soa e multiplica aflito o silêncio da grama. Por vezes, quando a tarde cala e a noite hesita, a orquestra de ruídos, resoluta, cisma. E espera. Atento, por trás da pausa, o aviso. Decerto. É chuva que vem."
***
"O riso
da cigarra – riso ou rasgo
que gargalha raso –
o riso
da cigarra rompe
em silvo de cigarra
e agarra.
E agarra. Agarra. Agarra. Agarra.

até que
encerra
– o ruído riso –
com o rasgo do corpo mortalha."
***
Difícil arte, traduzir em palavras o que vemos. Há um tempo - quando escrevi esses poemas aí em cima -, pensava que estava chegando perto. Qual o quê. Escrever é cortar palavras. Matsuo Bashô sabia muito bem. Seus haikais conseguiam isso. Traduziam a potência do real sem floreios, sem se perder com tantas palavras. Se um dia tentar de novo, vou lembrar da lição bem humorada de Chuang Tse: “A rede de peixe existe por causa do peixe; uma vez que pegar o peixe, esqueça a rede. A armadilha para coelhos existe para pegar o coelho; uma vez que o pegá-lo, esqueça a armadilha. As palavras existem pelo sentido; uma vez que conseguir o sentido, esqueça a palavra. Onde posso encontrar um homem que esqueceu as palavras, para que possa trocar uma palavra com ele?”
Pra vocês, um haikai de Bashô.

shizukasa ya
iwa ni shimiiru
semi no koe

Silencitude –
entranha e arranha a rocha
– o silvo da cigarra

(tradução gustavo weber)

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