sexta-feira, outubro 27, 2006

epigramas a la bumper sticker - dezessete



"Writing is a socially acceptable form of schizophrenia"
(Edgar Laurence Doctorow)

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quarta-feira, outubro 25, 2006

todos os eus e mais alguns - parte IX

Keleti Pu, 11 da noite, foto por gustavo weber


Fui dar em Budapeste ao contrário, o trás pra frente de toda a viagem, meu fim, deveria ter sido o início, mas a passagem Frankfurt Budapeste era muito cara, Frankfurt Viena era mais em conta, ora, pensei, é um círculo, não, uma meia lua, enfim, não importa onde começar, em vez de Budapeste, Praga, Berlim e Viena, que tal Viena, Berlim, Praga e Budapeste?, virei o mapa, e, zás-trás, fiz meu trás pra frente, do início para o fim, e lá cheguei cansado, quatro semanas mochilando, sete horas de trem de Praga, atraso na saída em Nadrazi Holesovike, esperava aflito meu trem chegar, mas estava retido em Dresden, greve dos maquinistas alemães, pediam diminuição da carga horária, aumento de salários e lanches noturnos, ao menos foi o que me disse em magiar a minúscula e lépida senhora húngara que sentou ao meu lado, sempre sorridente, me oferecendo bolinhos cor de beterraba a cada dois minutos, que soltavam migalhas por toda a cabine, lanches noturnos, provavelmente bolinhos de beterraba, a velha tinha dezenas deles, deveria ser fornecedora dos maquinistas teuto-piqueteiros, imaginava, enquanto tentava compreender como havia entendido a greve, os maquinistas, a redução de horas, ou eu havia inventado, não, havia greve, havia bolinhos de beterraba, eu havia entendido a conversa, tudo em magiar, ou era checo, não, era magiar, mas ainda não sabia, checo, magiar, búlgaro, romeno, Pepe me diria mais tarde, já em Budapeste, é impossível não se comunicar, sábio Pepe, embora eu tenha errado de estação em Praga, perguntara à senhora do balcão de passagens se meu trem sairia da estação central, Hlavni Nadrazi, Hlavni Nadrazi?, e ela yó yó, qual yó o que, estação errada, atravessei metade da cidade, cheguei na estação certa, Holesovice, esbaforido, com medo de perder o trem, e o trem, parado em Dresden, aguardando seu carregamento de bolinhos de beterraba, sem que eu soubesse, e eu angustiado perguntava aos funcionários da estação, misturando checo e alemão, kde vlak nach Budapest, vlak nach Budapest?, e eles respondiam yó yó, sorriam e seguiam, e do outro lado da estação a velhinha dos bolinhos de beterraba me olhava, e, compadecida, se aproximou e perguntou Budapest?, eu respondi yó yó, ela pegou minha mão, me levou à plataforma correta, uma tartaruga gigante e desengonçada, vinte quilos de mochila nas costas, guiada pela minúscula e serelepe senhora de cabelos cor de bolinho de beterraba, ela apontou um letreiro repleto de consoantes, acentos e alguns números, e num estalo entendi, nosso trem estava atrasado, ela me ofereceu um bolinho cor de cabelo de velhinha serelepe, aceitei um e agradeci, dekuji, dekuji vam, ela sorriu, ainda não sabia que era húngara, eu agradecera em checo, ou alemão, ou russo, esqueceria tudo em breve para me afogar na língua dos hunos perdidos da Europa, afinal Viena, Berlim e Praga eram passagem, Westbanhof, Ostbanhof, Hauptbanhof, Nadrazi Hlavni, Nadrazi Holesovice estações passageiras, para enfim Keleti Pu, estação derradeira, ponto final, Budapeste, Pu, estação em magiar, pu, pu, tchu tchu tchu, pu, tchu tchu tchu, Keleti Pu, tchu tchu tchu, repetia a velha na cabine do trem, já a caminho de Budapeste, e ria-se, fazendo com as mãos seu trem imaginário estacionar na poltrona-plataforma entre mim e ela, para que eu entendesse o que significava a palavra pu, e ao chegar em Keleti, tartarugueei para fora da estação, e as luzes amarelas de mercúrio borraram os contornos da velhinha, que já seguia serelépida bem à frente, e por duas vezes virou-se e repetiu ao longe pu tchu tchu tchu, pu tchu tchu tchu e me acenou um sincero adeus antes de sumir, minhas primeiras palavras em magiar, Budapeste foi meu fim, ou apenas o começo disso tudo, o trás pra frente de toda a viagem.

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segunda-feira, outubro 16, 2006

epigramas a la bumper sticker - dezesseis

"eu não quero voltar nunca mais, eu só quero sentir saudade"
(Virgílio, carioca, 28 anos, há dois anos viajando por África, Oriente Médio e Europa, sobre a possibilidade de voltar ao Brasil)
Praga, 03 de outubro de 2006

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não percam os próximos capítulos

Caríssimos,
voltei de férias. Entre setembro e outubro, viajei por terras desconhecidas e misteriosas, embora nada inóspitas, muito pelo contrário, deu uma vontade danada de ficar mais um tempinho por lá. Enfim, voltei, e assim que a poeira baixar, volto a postar aqui, e, quem sabe, contar algumas estórias dessa pequenina odisséia. Por onde? Bem, como diz o título do post, não percam os próximos capítulos.

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